quarta-feira, 23 de novembro de 2016

RELEITURA DO TEXTO:"DETRAÇÃO E PRECONCEITO" - DE LEANDRO KARNAL - SOLANGE ORLANDELI

A fofoca e o preconceito
            Cada um chama de barbárie aquilo com o que não está acostumado
                                                                                         Michel de Montaigne]
          A fofoca se apoia no preconceito. Ela estabelece um modelo de comportamento aceitável e ataca um comportamento desviante.
          Muitos dizem: “Eu não sou preconceituoso”. Quase sempre depois dessa frase, vem o clássico “mas”, que na verdade precede uma frase preconceituosa. Exemplo: “Eu não sou preconceituoso, mas convenhamos, o nordestino...” – “ Eu não tenho preconceito, mas aquele gay...”
          E tem mais, para atenuar a ofensiva, usamos um elo afetivo: “Eu tenho amigos negros” ou “ Meu melhor amigo é gay” – a presença de um negro ou gay na minha vida, funcionaria como uma proteção contra a calúnia de eu ser racista.
          Essa preocupação se dá porque não é legal ser preconceituoso nos dois sentidos: é crime perante a lei e é condenado socialmente.
          Curioso: se eu sinto que preciso atenuar uma fala minha é porque sei que o que pretendo dizer contém algo ruim. A vontade de fofocar é então maior que o mal que causarei.
          O preconceito é universal, existe em todos os grupos humanos, é uma zona de conforto, onde posso distinguir as irmãs aranhas de outros predadores. A teia do preconceito é um lugar para acasalar, matar e procriar. Sem a teia, as aranhas teriam que refletir sobre sua existência e seu propósito.
          Quando é questionado, o preconceituoso se exalta. Exigir que um racista ou homofóbico pense e atue de forma diferente é pedir que ele recomece seu mundo.
          Ter preconceito é ter falha de visão, um procedimento não científico, um ato de pouca inteligência, mas pode ser compartilhado tanto por gênios quanto por estúpidos.
          A primeiro característica do preconceito é sua falta de base científica: mostra minha limitação. O segundo pilar é o medo. Os pobres, os gays, as mulheres, os nordestinos, os negros, imagino-os capazes de me destruírem. Enquanto o medo é um dos pais do preconceito, o ódio é seu filho primogênito.
          Há milhões de anos, na África, os chamados hominídeos estavam em desvantagem em relação aos outros mamíferos: eram frágeis, não tinham garras, estavam em busca constante de comida e tinham proles dependentes. Tudo poderia destruí-los: um leão, uma seca, ou outra coisa qualquer.
          Para resistir, esses tiveram que elaborar ferramentas e estratégias. As ferramentas deram força à frágil mão humana. As estratégias também foram fundamentais. Andar em bando foi uma dessas estratégias e dava força aos grupos.
          A tribo diferente era o desafio, a insegurança, o risco. “Confie nos iguais e desconfie dos diferentes” – as explicações para se defender do diferente foram ficando mais elaboradas: “nós somos descendentes da deusa tal, somos melhores; a tribo debaixo come mais peixe e usa lanças menores, somos mais eficientes que ela; etc. No fundo mesmo, eram bandos assustados, buscando comida, que desconfiavam daqueles que não eram do seu convívio.
          O preconceito nasceu como forma de defesa e sobrevivência. Somos descendentes dos covardes.
          O racismo marca a história de muitos países, inclusive o Brasil. A homofobia gera assassinatos e piadas. Vivemos a lipofobia, o horror aos gordos, ... a lista é enorme!
          O preconceito gera fofoca. Com frequência essa fofoca vem acompanhada de humor. A comédia flerta com o preconceito. O riso é detestado pelo poder porque é um gesto político de desconstrução do poder. O riso é uma poderosa arma de crítica. Faça um esforço para lembrar de alguma piada que não insulte uma nacionalidade, um gênero, uma orientação sexual ou um tipo físico. Difícil, não?! As piadas que fazem mais sucesso são aquelas que nascem do preconceito.
          Não há muitas piadas sobre homens loiros, cristãos, heterossexuais, nascidos num grande centro urbano, bem sucedidos financeiramente e com curso superior. Há mais piadas sobre loiras, homossexuais, judeus, negros, nordestinos, portugueses, pobres, gordas, etc.
          Normalmente, conta-se esse tipo de piada para alguém que não pertence a esse grupo. Não seria muito esperto, por exemplo, contar uma piada de argentinos num estádio lotado em Buenos Aires.
          O meio mais rápido para unir um grupo, bem sabiam os nazistas, é criar um inimigo comum. Há prazer em contar piada para alguém que, como você, não pertence a aquele grupo. Juntos, nos consideramos superiores.

          Se fôssemos sábios não atacaríamos ninguém, não faríamos piadas de ninguém, nem teríamos preconceito com ninguém. Ao invés disso, riríamos com as crianças, com o Sol e com o mar. Se fôssemos sábios...     Releitura do texto: “Detração e preconceito” – de Leandro Karnal – feita pela professora Solange Orlandeli